As remunerações e os custos
do trabalho em Portugal e na UE

A falsa justificação para<br>a reduzida competitividade

Eugénio Rosa

Um dos ar­gu­mentos mais uti­li­zados pelo Go­verno, pela troika, pelo pa­tro­nato e pelos seus de­fen­sores nos media para jus­ti­ficar uma maior des­re­gu­la­men­tação das leis do tra­balho em Por­tugal (uma das cha­madas «re­formas es­tru­tu­rais») é que os custos do tra­balho no nosso País se­riam de­ma­si­a­da­mente ele­vados, o que de­ter­mi­naria a baixa com­pe­ti­ti­vi­dade das em­presas por­tu­guesas. Este ar­gu­mento, de tão re­pe­tido, pode acabar por passar para muitos como ver­da­deiro. Por isso in­te­ressa ana­lisá-lo com atenção.

Uti­li­zando os dados di­vul­gados pelo Mi­nis­tério da Eco­nomia (Quadro 1), entre 2011 e 2014, a re­mu­ne­ração média lí­quida no­minal (não con­si­de­rando o efeito da su­bida de preços) dos tra­ba­lha­dores do sector pri­vado di­mi­nuiu 5,7 por cento, mas se se en­trar em conta com o efeito da su­bida de preços con­clui-se que, neste pe­ríodo, re­gistou-se uma re­dução do poder de compra destes tra­ba­lha­dores em 11,5 por cento.

Em re­lação aos tra­ba­lha­dores da Função Pú­blica (Quadro 2), a evo­lução ve­ri­fi­cada ainda foi mais grave, já que a perda de poder de compra so­frida por estes tra­ba­lha­dores foi o dobro da ve­ri­fi­cada no sector pri­vado. Entre 2010 e 2014, como con­sequência do efeito con­ju­gado do corte das re­mu­ne­ra­ções no­mi­nais, do au­mento enorme de im­postos e dos des­contos para a ADSE, o poder de compra dos tra­ba­lha­dores da Ad­mi­nis­tração Pú­blica re­duziu-se em 22,1 por cento. E, em 2015, apesar da re­dução em 20 por cento no corte das re­mu­ne­ra­ções, mesmo assim o poder de compra destes tra­ba­lha­dores con­ti­nuará in­fe­rior ao que ti­nham em 2010 em 21,4 por cento.

Se a aná­lise for alar­gada a toda a União Eu­ro­peia, uti­li­zando dados do Eu­rostat, con­clui-se que, já em 2012 (são os úl­timos dados dis­po­ni­bi­li­zados pelo ser­viço ofi­cial de es­ta­tís­ticas da UE), os custos do tra­balho em Por­tugal eram apenas 53,1 por cento da média dos países das UE e 46,9 por cento da média dos países da zona euro. E que o sa­lário médio em Por­tugal cor­res­pondia apenas a 56,4 por cento do médio da UE e a 51,2 por cento do da zona euro. Dizer que os custos do tra­balho e os sa­lá­rios em Por­tugal são a causa da baixa com­pe­ti­ti­vi­dade das em­presas por­tu­guesas é en­ganar a opi­nião pú­blica.

Mas ana­li­semos esta ma­téria de uma forma mais por­me­no­ri­zada. E vamos co­meçar pelas re­mu­ne­ra­ções dos tra­ba­lha­dores do sector pri­vado. Para isso, vai-se uti­lizar dados do Mi­nis­tério da Eco­nomia, com os quais se cons­truiu o Quadro 1.

Como mos­tram os dados do «Inqué­rito aos ga­nhos e du­ração do tra­balho», do Mi­nis­tério da Eco­nomia, entre 2011 e 2014 o «ganho lí­quido médio no­minal» dos tra­ba­lha­dores do sector pri­vado di­mi­nuiu em 5,7 por cento, mas se con­si­de­rarmos o efeito do au­mento de preços, o ganho médio real de 2014, ou seja, o seu poder de compra é in­fe­rior ao de 2011 em 11,6 por cento. Isto para os tra­ba­lha­dores que têm em­prego, pois para os que foram des­pe­didos ou que não con­se­guiram ar­ranjar em­prego (e são mais de um mi­lhão se con­si­de­ramos o de­sem­prego ofi­cial e os que dei­xaram de pro­curam em­prego porque nunca o en­con­tram, assim como o falso em­prego), a si­tu­ação é ainda mais grave pois a quebra nos seus ren­di­mentos foi muito mais dra­má­tica.

Cortes na Função Pú­blica
foram o dobro dos do pri­vado

Em re­lação aos tra­ba­lha­dores da Função Pú­blica, a quebra na re­mu­ne­ração real foi ainda maior, pois para além de todas as mal­fei­to­rias que so­freram os tra­ba­lha­dores do sector pri­vado, aqueles ainda so­freram um corte nas suas re­mu­ne­ra­ções no­mi­nais su­pe­rior a cinco por cento. Os dados ofi­ciais do Mi­nis­tério das Fi­nanças (DGAEP), cons­tantes do Quadro 2, provam isso.

Entre 2010 e 2014, os tra­ba­lha­dores da Função Pú­blica so­freram uma re­dução de 15,6 por cento no seu ganho médio li­quido no­minal, mas se se con­si­derar o efeito do au­mento de preços, a re­dução no ganho médio lí­quido real (poder de compra) é de 22,1 por cento. Em 2015, mesmo com a re­dução de 20 por cento no corte a que estão su­jeitas as re­mu­ne­ra­ções destes tra­ba­lha­dores, e ad­mi­tindo que não se ve­ri­fica qual­quer su­bida de preços, a re­mu­ne­ração média real destes tra­ba­lha­dores em 2015 é in­fe­rior em 21,4 por cento à que ti­nham em 2010. Com esta re­dução, a re­mu­ne­ração média lí­quida real da Função Pú­blica está pró­xima da do setor pri­vado (+142 euros), apesar de na­quela o nível médio de es­co­la­ri­dade e qua­li­fi­cação ser muito mais ele­vado.

Custos do tra­balho e sa­lá­rios mé­dios
in­fe­ri­ores à média da UE e da zona euro

Ob­serve-se os dados do Eu­rostat, do Quadro 3, de em­presas com 10 ou mais as­sa­la­ri­ados. Como re­velam os dados do Eu­rostat, já em 2012 o custo do tra­balho em Por­tugal era muito in­fe­rior ao dos países mais de­sen­vol­vidos da União Eu­ro­peia. O mesmo su­cedia com o sa­lário médio que, em Por­tugal, cor­res­pondia apenas a 56,4 por cento do médio da União Eu­ro­peia e a 51,2 por cento da zona do euro. Com a re­dução de sa­lá­rios que se ve­ri­ficou em 2013 e 2014, como mos­tramos, é de prever que a si­tu­ação ainda seja pior para os tra­ba­lha­dores por­tu­gueses.

Dizer que os custos do tra­balho são causa da baixa com­pe­ti­ti­vi­dade das em­presas por­tu­guesas, como con­ti­nuam a afirmar o pa­tro­nato e os seus de­fen­sores nos média (re­corde-se a opo­sição dos pa­trões ao cum­pri­mento da de­cisão do Tri­bunal Cons­ti­tu­ci­onal sobre o pa­ga­mento das horas ex­tra­or­di­ná­rias) é, sem dú­vida, pro­curar en­ganar a opi­nião pú­blica.

Ren­di­mento das fa­mí­lias por­tu­guesas
di­mi­nuiu entre 2010 e 2013

Como con­sequência da po­lí­tica de ren­di­mentos im­posta aos por­tu­gueses pela troika e pelo Go­verno PSD/​CDS, o ren­di­mento me­diano equi­va­lente dos mem­bros das fa­mí­lias por­tu­guesas di­minui entre 2010 e 2013, en­quanto que em quase todos os países da UE au­mentou, como mos­tram os dados do Eu­rostat cons­tantes do Quadro 4. As únicas ex­cep­ções foram os casos da Grécia e da Itália.

Em 2010, o ren­di­mento me­diano equi­va­lente em Por­tugal era apenas de 723 euros/​mês por membro de fa­mília (tenha-se pre­sente que apenas o pri­meiro adulto vale um, sendo atri­buído o valor do Quadro, o se­gundo só vale 0,7, por­tanto 70 por cento do valor; e as cri­anças só contam 0,5, por­tanto a cada uma cabe 50 por cento da­quele valor); re­pe­tindo, em 2010, o valor era apenas de 723 euros/​mês, o que re­pre­sen­tava apenas 59,3 por cento da média da UE.

Apesar disso, entre 2010 e 2013, o seu valor di­mi­nuiu em Por­tugal 5,9 por cento, pois baixou para apenas 681 euros/​mês, en­quanto a média na UE au­mentou cinco por cento, o que de­ter­minou que, em 2013, o valor em Por­tugal cor­res­pon­desse apenas a 53,1 por cento da média da UE. Também na área da co­esão so­cial Por­tugal, no lugar de con­vergir para a UE, está a di­vergir, com con­sequên­cias dra­má­ticas.



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